sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Hiperdrama


Mais do que encenar junto a projeções online e offline, ou mesmo entregar-se a handhelds, smartphones e notebooks durante a ação, os atores lidam, ainda, com mais um horizonte que se abre para a dramaturgia: o hiperdrama.
O conceito, introduzido por Charles Deemer, consiste na idéia de que a linearidade das montagens teatrais pode dar lugar a uma plena relativização, em que espaço, tempo, atores e espectadores podem fluir por um universo dramático de paralelas possibilidades.
Neste cenário, as histórias podem tomar um ou outro caminho, independentemente da conclusão. Quem assiste é quem determina como deseja ver a história e, desta forma, molda o espetáculo a partir das alternativas oferecidas pelo texto.
O espetáculo deixa de ser plano e ganha relevo perante o público, que passa a ter a chance de dialogar mais efetivamente com a obra com a qual mantém contato. Um de seus experimentos, curiosamente, diz respeito ao drama A Gaivota - o mesmo citado no início deste artigo.
Voltando ao Brasil, é possível assistir até o dia 08 de julho, em São Paulo, à montagem O Kronoscópio, de Ricardo Karman.
O dramaturgo e diretor - que já criou memoráveis instalações como a realizada sob o rio Pinheiros na década de 90 - inspirou-se no conto The Dead Past, de Isaac Asimov, para construir um espetáculo rico em projeções, animações e efeitos especiais.
Além de fazer chover literalmente em cena, Karman enriquece a peça ao proporcionar diálogos em que um dos atores está presente apenas por meio de uma projeção bidimensional. Entretanto, a força dramática não se perde em momento algum. Não apenas a história caracteriza-se como um experimento de ficção científica, como também a montagem em si.
O que se pode perceber de tudo isso é que existe, sim, um forte movimento em torno do teatro digital. Embora os mais nostálgicos sejam refratários à terminologia - e ainda mais à prática -, trata-se de um caminho absolutamente natural.
Desde a Grécia, com o Deus Ex Machina, a técnica está presente como um elemento que expande o valor da orquestração cênica.
Atualmente, nada mais se vê do que uma evolução deste processo. A relação homem-máquina transforma-se velozmente e a arte, na condição de legítima expressão humana, não pode render-se a conservadorismos e postar-se atrás de qualquer vanguarda.
Virtual e digital, embora não-palpáveis, figuram como vastos campos para que o teatro redescubra e renove a sua função social, bem como desperte no público uma nova onda de atratividade.
Se a base desta expressão artística é a dualidade - relembrando Antonin Artaud e, mais para trás, Hegel -, por que não vinculá-la ao conflito dramático da pós-modernidade, centrado no choque binário entre 0 e 1?


*Publicado originalmente no site Webinsider.

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